23.05.2024

Debêntures de Infraestrutura e Minigeração Distribuída: MME põe fim à insegurança jurídica

Em 26 de março de 2024, o Governo Federal editou o Decreto nº 11.964 (“Decreto”), promulgado no dia seguinte, para regulamentar a Lei nº 14.801/2024 (“Lei 14.801”), que dispôs sobre as debêntures de infraestrutura e promoveu alterações ao marco legal das debêntures incentivadas, instituto criado pela Lei nº 12.431/2011 (“Lei 12.431”), para definir os critérios e condições de enquadramento de projetos de investimento prioritários na área de infraestrutura ou de produção econômica em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Com efeito, a partir da Lei 14.801, foi expressamente permitido às sociedades de propósito específico (“SPE’s”), além de concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias, constituídas sob a forma de sociedades anônimas, a emissão de debêntures objeto de circulação pública, sendo que a companhia emissora tem o benefício garantido de deduzir a soma dos juros pagos aos investidores do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), conforme as regras do artigo 6º da referida lei (“Debêntures de Infraestrutura”).

Foram criadas, então, duas espécies semelhantes do mesmo tipo de valor mobiliário para investimento em infraestrutura: (i) as novas Debêntures de Infraestrutura, cujo benefício é direcionado à companhia emissora, e (ii) as debêntures incentivadas, que, nos termos da Lei 12.431, beneficiam os investidores em projetos de infraestrutura de SPE’s e de cotas de fundo de investimentos em direitos creditórios (FIDCs), considerados prioritários pelo Poder Executivo federal, dadas as reduzidas alíquotas na incidência do imposto de renda (“Debêntures Incentivadas” e, em conjunto das Debêntures de Infraestrutura, as “Debêntures”)).

Deste modo, o Decreto teve o condão de determinar, primeiramente, os setores prioritários de investimento e criar regras para que a captação dos recursos por meio das Debêntures. De fato, o objetivo foi atingido, contudo com algumas questões particulares, que acabaram por gerar certa insegurança no mercado de energia, especificamente, que foi endereçada apenas recentemente pelo Ministério de Minas e Energia (“MME”). Além destas questões, ressalta-se que o Decreto permitiu que os projetos considerados prioritários emitam os dois tipos de Debêntures concomitantemente (art. 21), desde que a sua somatória respeite o limite do valor do capex do projeto (art. 5º, §2º), sendo vedada a cumulação dos benefícios tributários da Lei 12.431 e da Lei 14.801 para uma mesma debênture (art. 20).

No artigo 4º do Decreto, o Governo Federal determinou quais são os setores prioritários aos quais pertencerão os projetos analisados, com certa especificidade. Não adentrando com detalhes em cada um dos setores, mas focando o setor energético, foi definido como prioritário o mercado de infraestrutura de energia em mercados específicos, com a inclusão de geração por fontes renováveis (art. 4º, III), e até mesmo a transformação de minerais estratégicos para a transição energética.

O Decreto previu a existência dinâmica de autorização, pelo Ministério setorial, para que determinado projeto seja considerado prioritário, as chamadas portarias ministeriais (arts. 3º e 15). Até este ponto, havia uma normalidade esperada pelo mercado, considerando a multiplicidade de setores de infraestrutura e as particularidades de cada Ministério (em que pese alguns deles não tenham sequer instituída a dinâmica de autorização e portarias para projetos, como o Ministério da Saúde, por exemplo). Entretando, para os investimentos e emissão de Debêntures em projetos de geração distribuída de energia elétrica, pairava a dúvida sobre a necessidade de referida autorização pelo MME, uma vez que os projetos desse setor já eram determinados como prioritários pela lei.

O artigo 17[1] do Decreto acabou por, em síntese, reproduzir o artigo 28 da Lei nº 14.300/2022 (“Lei 14.300”), marco legal da geração distribuída:

Art. 28. A microgeração e a minigeração de distribuídas caracterizam-se como produção de energia elétrica para consumo próprio.

Parágrafo único. Para fins desta Lei, os projetos de minigeração distribuída serão Para fins desta Lei, os projetos de minigeração distribuída serão considerados projetos de infraestrutura de geração de energia elétrica, para o enquadramento no § 1º do art. 1º da Lei nº 11.478, de 29 de maio de 2007, e no art. 2º da Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, e no art. 2º da Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011, observado que, nesse último caso, serão considerados projetos prioritários e que proporcionam benefícios ambientais e sociais relevantes.

Portanto, os projetos de minigeração distribuída, desde meados de 2022, estão habilitados para obter investimentos por meio de Debêntures Incentivadas, pela sua prioridade estabelecida em lei.

Ocorre que o Decreto, em seu já mencionado artigo 17, definiu que a prioridade é exclusiva para a emissão de Debêntures Incentivadas, excluindo tal preeminência para o caso das Debêntures de Infraestrutura, e criou um cenário de insegurança jurídica para os empresários e investidores do setor: se é claro que é a concessionária distribuidora competente tem o dever de atender às solicitações de acesso das unidades consumidoras (vide art. 2º da Lei 14.300), o empreendedor ainda dependeria da obtenção de portaria junto ao MME para conseguir de investimentos por meio das Debêntures?

Após cerca de 2 (dois) meses da publicação do Decreto, o MME endereçou o tema, com a divulgação do procedimento para protocolo de projetos com investimento considerados prioritários, incluindo os projetos de minigeração distribuída[2]: passará a ser obrigatório o protocolo, por meio digital, da documentação determinada no Decreto juntamente com formulário específico do MME junto à Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento, do MME. A referida Secretaria, nos termos do artigo 4º do Decreto nº 8.874/16, deverá publicar portaria autorizando o projeto. A partir deste momento, a companhia emissora poderá apresentar o requerimento de registro de oferta pública das Debêntures à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Trata-se de importante resposta do MME ao setor de energia renovável, especialmente aos players do mercado de minigeração distribuída que pretendem alavancar seus empreendimentos por meio de investimento com a oferta das Debêntures, em especial as Debêntures de Infraestrutura (tendo em conta os benefícios fiscais à emissora), destravando, aparentemente, os sinais de insegurança a respeito dessa forma de captação de recursos privados, ainda que por meio de um procedimento burocrático e eventualmente demorado.

[1] Art. 17.  Nos termos do disposto no parágrafo único do art. 28 da Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022, exclusivamente para fins de emissão dos valores mobiliários a que se refere o art. 2º da Lei nº 12.431, de 2011, os projetos de minigeração distribuída serão considerados como projetos prioritários e que proporcionam benefícios ambientais e sociais relevantes, independentemente do atendimento ao disposto no art. 5º deste Decreto.

[2] Conforme divulgação via site do MME: Projetos Prioritários — Ministério de Minas e Energia (www.gov.br); e ProtocolodeProjetosPrioritrios.jpeg (822×1600) (www.gov.br). Acesso em 23 de maio de 2024

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